É um processo inflamatório progressivo no pâncreas, que leva a danos permanentes em sua estrutura, podendo prejudicar as funções endócrina (hormonal, causando diabetes) e exócrina (produção de enzimas que ajudam na digestão, causando diarreia).
A causa é multifatorial. O mais comum é o consumo de bebida alcoólica. A segunda causa mais comum é idiopática, ou seja, não se conhece e não se descobre a causa. Existem pacientes que podem possuir alteração genéticas: genes CFTR, SPINK-1 e PRSS-1. Mas ainda não é recomendado fazer testes genéticos. Outras causas destacam-se: obstrução do ducto do pâncreas (trauma, pseudocistos, cálculos, tumores), pâncreas divisum, pancreatite autoimune, doenças sistêmicas (lúpus, triglicerídeo elevado, hiperparatireoidismo).
Dentre os fatores de risco para desenvolver pancreatite crônica, o mais conhecido é o uso de bebida alcoólica. Episódios agudos de pancreatite aguda de repetição, por ingesta de bebida alcoólica ou por cálculos biliares podem desencadear pancreatite crônica. O tabagismo parece aumentar a incidência de pancreatite aguda e crônica, assim como aumentar a progressão de uma pancreatite crônica.
A pancreatite crônica é responsável por aproximadamente 90.000 internações ao ano nos Estados Unidos. É mais comum em homens do que em mulheres, devido ao maior consumo de bebida alcoólica. Estima-se que aproximadamente 45% dos casos de pancreatite crônica são devido ao álcool (59% em homens e 28% em mulheres), nos Estados Unidos. Afeta todas as idades, com dois picos de incidência maior, aos 19 e aos 56 anos. A idade média dos pacientes é de 46 anos ao fazer o diagnóstico.
As duas principais manifestações são dor abdominal crônica, intermitente, e sintomas de insuficiência pancreática (diarreia, perda de peso). Pode se apresentar de forma assintomática por longo período. A dor abdominal geralmente é na região do epigástrio (estômago), frequentemente com irradiação para as costas, podendo estar associada a náuseas e vômitos. Geralmente a dor piora 15 a 30 minutos depois das refeições, e dura por algumas horas. A dor pode estar presente de forma diária, ou permanecer por alguns dias, e demorar meses para voltar a ter sintomas novamente.
Os sintomas de insuficiência pancreática exócrina surgem quando mais de 90% do pâncreas está afetado. As fezes se tornam aquosas, gordurosas, com odor forte. A deficiência de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e vitamina B12 pode acontecer, mas não é frequente. Quando a pancreatite acomete a cabeça do pâncreas, o paciente pode apresentar sintomas de obstrução das vias biliares, manifestando-se com icterícia (pele amarelada), colúria (urina de cor escura) e acolia (fezes acinzentadas).
O diagnóstico na maioria das vezes é feito pela história clínica do paciente. Os pacientes podem ser sintomáticos ou não. Tanto os exames de laboratório quanto os de imagem podem estar normais. Importante é diferenciar de câncer de pâncreas. A presença de calcificação no pâncreas, esteatorréia (diarreia por gordura) e diabetes, fortemente sugerem uma pancreatite crônica avançada.
Exames de Sangue: Alteração de exames de amilase e lipase são infrequentes na pancreatite crônica, mas podem estar discretamente aumentados. O hemograma geralmente é normal. Os exames da função do fígado são frequentemente normais. O aumento de bilirrubina e fosfatase alcalina pode indicar compressão da via biliar intra-pancreática. A presença de intolerância a glicose pode ser encontrada em exames, mas a presença de diabetes só é evidenciada em pancreatite crônica avançada. Muitas vezes o paciente pode possuir diabetes devido a uma predisposição individual e familiar, não estando relacionado à pancreatite crônica em si. Em pacientes com suspeita de pancreatite autoimune, deve ser dosado IgG4.
Exame de Fezes: o diagnóstico de esteatorréia (presença de gordura nas fezes), deve ser feito através da quantificação de gordura nas fezes de 72 horas, que demonstra a presença de mais de 7 gramas de gordura por dia. A avaliação somente de presença de gordura nas fezes, em uma única amostra, não é específica para o diagnóstico. Pode ser dosado a elastase nas fezes, em uma única amostra de fezes, em que valores abaixo de 200 mcg/g podem evidenciar insuficiência exócrina do pâncreas.
Raio X: Em aproximadamente 30% dos casos de pancreatite crônica, pode ser evidenciado calcificações na projeção do pâncreas.
Ecografia: A ecografia pode demonstrar calcificações no pâncreas, assim como dilatação do ducto pancreático, e aumento do tamanho do pâncreas Em alguns casos podem ser evidenciada obstrução das vias biliares, com dilatação dos ductos biliares no interior do fígado, e pseudocistos.
Tomografia e ou Ressonância: Dentre estes, a ressonância permite uma melhor visualização dos ductos do pâncreas, visualizando cálculos e calcificações que podem estar no interior do ducto ou no parênquima do pâncreas. Ambos determinam se há massas ou aumento do tamanho do pâncreas, atrofia, assim como a presença de cistos e sinais de pancreatite aguda.
Ultrassonografia Endoscópica: Consiste em uma endoscopia associada a uma ecografia que é feita por dentro do seu estômago. Pode auxiliar a determinar se há dilatação ou irregularidades dos ductos pancreáticos, massas no parênquima pancreático, calcificações. Permite biópsia se necessário.
Colangiografia Endoscópica Retrógrada: consiste em realizar uma endoscopia e localizar o local aonde o canal do pâncreas (Wirsung) desemboca no intestino (duodeno). Após localizar esta abertura, é possível através de injeção de contraste, evidenciar o canal biliar (colédoco) e o pancreático (Wirsung). Assim é possível avaliar se há estenoses ou dilatações do ducto do pâncreas. Devido à alta resolubilidade da ressonância magnética, e possíveis complicações associadas à colangiografia endoscópica retrógrada, este exame tem sido reservado para casos em que há necessidade de fazer alguma intervenção no pâncreas, como a colocação de próteses.
Dentre as complicações mais comuns, estão: formação de pseudocistos em 10% (cistos no pâncreas); obstrução do duodeno ou das vias biliares em 5 a 10% (canal biliar); ascite e derrame pleural (líquido livre no interior do abdômen e em volta do pulmão, respectivamente); trombose da veia esplênica (veia do baço que passa junto ao pâncreas); formação de pseudoaneurismas; e câncer de pâncreas. O risco de vir até um câncer parece ser maior em pacientes com história de pancreatite crônica. Outra complicação são episódios recorrentes de pancreatite aguda, principalmente em pacientes alcoólatras que continuam ingerindo bebida alcoólica.
O principal é excluir a possibilidade de câncer no pâncreas.
Medicações: Como o principal sintoma sé a dor, o primeiro passo é uso de analgésicos com concomitante utilização de enzimas pancreáticas suplementares, que podem suprimir a produção de enzimas pelo próprio pâncreas, e melhorar a dor. Dentre os analgésicos, destacam-se vários, como anti-inflmatórios, codeína, morfina, fentanil, e outras medicações utilizadas para dor neuropática, como a amitriptilina e a pregabalina.
As suplementações com enzimas pancreáticas também são utilizadas em casos de esteatorréia (diarreia rica em gordura) devido à disfunção exócrina do pâncreas. Nestes casos indica-se dieta hipogordurosa (< 20 gramas aso dia). Dentre as medicações utilizadas, destacam-se: Creon (uma a duas cápsulas dependendo da refeição). Estas medicações devem ser utilizada ao iniciar a refeição, e em alguns casos, metade da dose no início e a outra metade no meio refeição, dependendo de paciente para paciente.
O uso de antioxidantes, como selenium, vitamina C e E, e meitonina é controverso, sendo que não há estudo até o momento provando o seu benefício.
Procedimentos e Cirurgias: Todos os procedimentos e cirurgias para pancreatite crônica são individualizados de acordo com o paciente, as causas da pancreatite, e a presença de dilatação ou não do ducto pancreático. Nenhum procedimento possui garantia de sucesso no controle da dor e da recorrência de episódios de pancreatite aguda.
Quando o paciente possui uma estenose do ducto pancreático, com dilatação a montante, alguns estudos demonstram que a colocação de uma prótese através de uma colangiopancreatografia endoscópica retrógrada, pode aliviar os sintomas de dor e pancreatite de repetição. Também pode ser indicado realizar uma cirurgia chamada pancreatojejunoanastomose. Nesta cirurgia, realiza-se uma nova conexão do ducto do pâncreas com uma alça intestinal, de modo que o liquido pancreático vá direto para o intestino e não precise passar pelo local obstruído. Em alguns casos, pode-se ressecar uma parte do pâncreas ou até mesmo, em raros casos, todo o pâncreas. As seguintes cirurgias podem ser realizadas: Whipple (duodenopancreatectomia), pancreatectomia distal, ressecção da cabeça do pâncreas com preservação do duodeno, e pancreatectomia total. Pacientes que são submetidos à pancreatectomia, podem vir a apresentar sinais de disfunção pancreática exócrina (diarréia) ou endócrina (diabetes).
Muitas vezes o tratamento se baseia no manejo das complicações da pancreatite crônica. Em casos de pseudocisto, a drenagem do tem sido indicada quando são maiores do que 6 cm, ou se persistem por mais de 6 semanas. Porém, existem vários estudos de acompanhamento de cistos de até 10 cm por período prolongado, sem complicações. A indicação de drenagem incluem crescimento rápido, compressão de estruturas adjacentes e sinais de infecção. Em casos de obstrução biliar isolada, pode ser realizado a colocação de próteses por colangiografia endoscópica retrógrada, mas o paciente necessitará provavelmente de várias trocas de próteses, ou uma cirurgia de derivação do canal biliar, chamada de hepaticojejunostomia (conexão entre o canal da bile e o intestino). Em casos de obstrução duodenal, o tratamento cirúrgico pode ser realizado com uma gastroenteroanastomose (conexão entre o estômago e o intestino).
Casos em que dor é refratária ao tratamento clínico, pode-se realizar o bloqueio dos nervos celíacos (inervam o pâncreas), mas a literatura é controversa em relação à sua efetividade.
O prognóstico da pancreatite crônica depende de vários fatores, como a idade do diagnóstico, tabagismo, uso contínuo do álcool, presença de doenças associadas como a cirrose. A sobrevida geral é de aproximadamente 70% em 10 anos, e de 45% em 20 anos. Existe um risco de vir a adquirir um câncer pancreático em aproximadamente 4% dos pacientes em 20 anos.
Doença do refluxo, espasmo de esôfago, dispepsia, gastrite, úlceras, síndrome do intestino irritável, cálculos renais, infarto agudo do miocárdio, colecistite aguda, disfunção do esfíncter de Oddi, pancreatite aguda, hepatite e câncer de pâncreas.
Existe uma considerável variação na sensibilidade individual à toxicidade de bebida alcoólica. Assim, é difícil afirmar qual é a quantidade segura que pode ser consumida. Aproximadamente 5 a 10% dos pacientes alcoólatras desenvolvem pancreatite crônica. Importante destacar que outros fatores podem causar a pancreatite crônica, não necessariamente a bebida alcoólica. Pacientes com pancreatite crônica devem se abster de bebida alcoólica, se alimentar com dieta hipogordurosa, em pequenas porções diárias, tomar bastante liquido para se manter hidratado e parar de fumar.